
Index Librorum Prohibitorum – Defesa dos princípios cristãos e morais ou censura intelectual?
Em 14 de junho de 1559, no Concílio de Trento (1545-1563), o Papa Paulo IV instituiu o Index librorum prohibitorum ou Índice dos Livros Proibidos (ou O índice paulino, como ficou conhecido), que listava as obras proibidas aos católicos. Em contrapartida às anteriores, que se chamavam "catálogos", ela foi chamada de "índice". Ela serviu de base para a criação, cinco anos mais tarde, do Índice, pela Comissão de Bispos do Concílio de Trento. Em 1571, o papa Pio V criou a Sagrada Congregação do Índice, encarregada de examinar e censurar livros e atualizar o "Index". Assim foi dado início uma tentativa de reação contra teorias que a Igreja Católica Apostólica Romana não apoiava e consideravam anti-clericais, heréticas, lascivas para os fiéis católicos ou mesmo nocivas para a sociedade em geral.
Ao longo dos 400 anos que durou a proibição, a lista das obras condenadas foi se tornando cada vez mais longa. Foram editadas 32 edições desta lista até que em 1966 o Papa Paulo VI, sobre a influência do Concilio Vaticano II, o aboliu. Este ato foi anunciado formalmente em 15 de junho de 1966 no jornal do Vaticano, L'Osservatore Romano, através de um documento chamado de "Notificação".
É preciso entender que antes mesmo do Index existir a Europa (Espanha, Portugal e França) já aplicava medidas restritivas a obras e autores, com leis que condenavam até à morte quem possuísse, comprasse, vendesse ou copiasse um livro herege.
A Igreja Católica, no entanto, não puniam escritores e davam a estes a oportunidade de defenderem suas obras, que, em caso favorável eram retirados do Index. Em certos casos eles podiam re-publicar com omissões ou correções se pretendessem evitar a interdição. Se a ofensa não fosse grave, alterações eram sugeridas ao autor. Em casos de obras denunciadas pelos fiéis, avaliadores preparavam um relatório, que era discutido pelo alto clero antes de ser encaminhado ao papa para a avaliação final. O Direito Canônico recomendava que os trabalhos que versavam sobre Teologia, sobre a Sagrada Escritura, História da Igreja Católica, Direito Canônico ou que tratassem de religião, princípios morais ou bons costumes, deveriam previamente passar pelo crivo da autoridade clerical local. Se ela desse o nihil obstat ("nada impede") os seus subalternos forneceriam o selo imprimatur ("deixe estar impresso") e a obra poderia ser impressa.
O índice foi atualizado regularmente até a 32ª edição, em 1948 e continha 4.000 títulos censurados por várias razões: heresia, deficiência moral, sexualidade explícita, incorreção política, etc. No entanto ainda é muito propagada a versão que o motivo para a criação do Index tenha sido o combate ao avanço do Protestantismo. Essa afirmação não é de toda errada. Na verdade o que ocorreu é que com o surgimento do Protestantismo também se originou uma grande produção de obras, frutos das heresias propagas pelas vertentes protestantes, e consequentemente essas obras também foram alvo da censura da Igreja.
É necessário entender que o mundo era outro e que no contexto histórico temos a Igreja Católica como a grande guardião e protetora dos preceitos morais e religiosos da sociedade. É uma grande lástima que nos tempos atuais essa ação seja considerada algo apenas associado à censura como forma de se impedir as pessoas de “pensarem por si mesmas” e de “abrirem a mente”. Com certeza não estaríamos tão distantes dos princípios corretos se tais influências ainda pudessem ser controladas.
A Igreja Católica sempre foi ativa no sentido de tentar preservar as pessoas de má influências, principalmente as que não possuíssem condições de obter uma formação cultural adequada para formular um senso crítico eficiente. Outro exemplo dessa atuação foi a instituição em 1542, pelo Papa Paulo II, da Congregação da Inquisição Romana, posteriormente chamada de Santo Ofício e hoje em dia denominada Congregação para a Doutrina da Fé, com o objetivo de guardar a pureza da ortodoxia.
O Index estabeleceu um instrumento precioso para auxiliar os católicos a conhecerem e detestarem os erros e heresias.
Em 2002, foi publicado no Centre d’Études de la Renaissance na Universidade de Sherbrooke o L’Index Librorum prohibitorum (1600-1966) que reúne todas as obras condenadas até a supressão do Index, que Paulo VI quis em 1966.
Até os dias atuais muitas doutrinas divergentes do caráter teológico, filosófico, social, etc. são habitualmente difundidas, até mesmo no meio católico, apesar de estarem em evidente oposição com a doutrina da Igreja. Para promover a prudência em relação a essas leituras, o Magistério eclesiástico, através do Código de Direito Canônico, no cânon 823 § 1, estabelece que os bispos devem zelar pelos fiéis no que concerne às leituras. Também nesse sentido é que foram criados grupos que fornecem avaliações sobre livros e filmes.
André Barroso, professor de História da Religião e Filosofia da Universidade Estadual de Campinas, explica que, apesar da abolição do Index, a Igreja Católica ainda continua a indicar algumas publicações como perigosas ou inadequadas para leitores católicos e/ou não católicos. Como é o caso, por exemplo, do livro e filme O Código Da Vinci, do romancista Dan Brown que critica a Opus Dei e dos livros de Harry Potter, de J. K. Rowling, que foram acusados de apresentarem a bruxaria as crianças. Neste caso a igreja emite um "admonitum", ou advertência sobre os riscos da obra.
Qual o conteúdo do Index?
Além de várias edições da Bíblia, do Novo Testamento e suas traduções, produzidas por Martinho Lutero e Calvino, haviam também listados no Index Librorum Prohibitorum, obras de cientistas, filósofos, enciclopedistas ou pensadores como Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Giordano Bruno, Nicolau Maquiavel, Erasmo de Roterdão, Baruch de Espinosa, John Locke, Berkeley, Denis Diderot, Blaise Pascal, Thomas Hobbes, René Descartes, Rousseau, Montesquieu, David Hume ou Immanuel Kant.
Os romancistas e poetas: Laurence Sterne, Heinrich Heine, John Milton, Alexandre Dumas (pai e filho), Voltaire, Jonathan Swift, Daniel Defoe, Giordano Bruno Vitor Hugo, Emile Zola, Stendhal, Gustave Flaubert, Anatole France, Honoré de Balzac, Jean-Paul Sartre, ou o sexologista holandês Theodor Hendrik van de Velde, autor do manual sexual “The Perfect Marriage”.
No entanto essa lista não era fixa, muitos destes foram removidos mais tarde, de acordo com a correção de suas obras por seus autores ou a percepção da evolução das sociedades para lidar com certo temas espinhosos.
Algumas obras que já estiveram no Index e os motivos:
AUTOR – Thomas Hobbes
OBRA – Toda
O matemático e filósofo inglês foi listado no Index por acreditar que o medo leva os homens a serem submissos a uma forma soberana de poder (como a Igreja, por exemplo). Em O Leviatã, Thomas citou ainda que a adoração aos santos não era permitida pela Bíblia e que o povo seria induzido pelo papa a ouvir uma falsa interpretação do livro sagrado
AUTOR – Gustave Flaubert
OBRA – Madame Bovary
Publicado em 1857, o livro é sobre uma jovem burguesa que trai o marido – tratar de adultério seria o pecado da obra. Flaubert também satiriza a burguesia ao narrar a vida entediante de Bovary e das pessoas a seu redor. O autor chegou a ser julgado na época, acusado de criar uma personagem ofensiva.
AUTOR – René Descartes
OBRA – Toda
O autor da famosa frase “Penso, logo existo”, em O Discurso Sobre o Método (1637), sugeria que só existe aquilo que pode ser pensado racionalmente. Essa ideia tende a excluir as dimensões da vida que não cabem no racional, como a fé.
AUTOR – Victor Hugo
OBRA – Os Miseráveis e O Corcunda de Notre-Dame
Os Miseráveis retrata o governo como opressor e a miséria da sociedade. Já O Corcunda de Notre-Dame mostra o deformado Quasímodo sendo julgado pela aparência. As obras eram perseguidas por serem consideradas sensuais.
AUTOR – Alexandre Dumas
OBRA – Várias
Os livros do francês não eram bons exemplos para os fiéis. Em O Conde de Monte Cristo, personagens se envolvem em suicídio, adultério e consumo de haxixe. Além disso, a obra gira em torno do sentimento de vingança – o que seria incompatível com o cristianismo.
Fonte: Superinteressante.
Lista de alguns autores e suas obras listadas no Index:
Obras listadas unicamente
Com alguns escritores, apenas alguns livros foram proibidos:
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Libri Carolini, supostamente por Carlos Magno
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Dante Alighieri (apenas o seu Monarchia)
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Descartes (Méditations Métaphysiques et 6 autres livres, 1948)
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La Fontaine (Contes et Nouvelles)
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Montesquieu (Lettres Persanes, 1948)
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Voltaire (Lettres philosophiques; Histoire des croisades; Cantiques des Cantiques)
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Jean-Jacques Rousseau (Du Contrat Social; La Nouvelle Héloïse)
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Helvétius (De l'Esprit; De l'homme, de ses facultés intellectuelles et de son éducation)
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Madame de Staël (Corinne ou l'Italie)
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Stendhal (Le Rouge et le noir, 1948)
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Victor Hugo (Notre Dame de Paris; Les Misérables até 1959)
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Alexandre Dumas (várias novelas)
Obras dos autores listadas por completo
Em alguns casos, de acordo com The Book of Lists por Irving Wallace, Amy Wallace e David Wallechinsky, todas as obras de um escritor em particular foram ao Index: Thomas Hobbes, Émile Zola, Jean-Paul Sartre. Quanto a Baruch de Espinosa, a Igreja colocou todas as suas obras póstumas no Index.
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Anatole France (Prêmio Nobel de Literatura de 1921; colocado no Index em 1922)
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André Gide (Prêmio Nobel de Literatura de 1947; colocado no Index em 1952)
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Jean-Paul Sartre (Prêmio Nobel de Literatura de 1964 (recusou), colocado no Index em 1959)
Outros
Entre os escritores notáveis da lista eram Jean Buridan e Laurence Sterne, bem como o sexólogo holandês Theodoor Hendrik van de Velde, autor do Manual de Sexo The Perfect Marriage.
Fonte: Wikipedia.
Veja também
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O INDEX de 1559, em fac-símile;
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O INDEX de 1948, uma das últimas edições publicadas.
