
O que há por trás do “não julgueis”
Alguém diria: "Quem sou eu para julgar? É Deus quem julga, e não nós".
‘’Não julgueis’’, é o que ouvimos sempre que ousamos apontar os erros considerados normais e tolerados pela maioria. Sob o ponto de vista da sociedade atual, a palavra ‘’julgar’’ carrega uma conotação negativa e autoritária, por isso, muitos, principalmente os religiosos das denominações cristãs preferem outorgar tal ação somente a Deus, sem se aperceberem que julgar é uma das nossas tarefas mais nobres enquanto cristãos ou como indivíduo que preze a justiça e o correto, o que é diferente de condenar, tarefa cabível somente a Deus no plano espiritual e aos juízes constituídos, no plano terreno. Devemos sim alertar, exortar, ajudar com justiça e sabedoria sempre que existir uma situação de erro cometida tanto pelos outros, como por nós mesmo, para não incorrermos em cumplicidade e conivência com o erro. Então, o que está, por trás desse conceito do “não julgar”?
Primeiramente vamos observar esse fenômeno no meio religioso, já que é normalmente sobre ele que recai a cobrança de não julgar. Mas é preciso ter em mente que essa exigência, apesar de estar presente no bojo da moral cristã é uma imposição do meio profano.
Afinal o que diz a Bíblia sobre julgar?
Ela diz que devemos julgar sim, é um grande erro interpretativo afirmar que os textos bíblicos endossam uma situação apática em relação ao julgamento. Porém é necessário observar que esse julgamento é sobre a ação e não sobre o indivíduo. O foco é na distinção entre o certo e o errado e não no julgamento da pessoa em busca de sua condenação. Há também a exigência que devemos também nos julgar. Olharmos para nós mesmo antes de olharmos para os outros para que não sejamos hipócritas. É preciso ser justo ao fazemos nossa análise do erro tanto com os outros como com nós mesmo.
No entanto, é comum ouvirmos cristãos fervorosos na fé, mas, cambaleantes na percepção da realidade da palavra, dizer que muitos textos bíblicos atestam que não devemos julgar, principalmente Mateus 7:1-5.
Vejamos então o que diz esses versículos:
Mateus 7:1-5 “7 —1 Não julguem os outros para que vocês também não sejam julgados.2 Pois da mesma maneira como vocês julgam os outros, também serão julgados e a medida que usarem para outros, essa será a mesma medida que Deus usará para vocês.3 —Por que você olha o cisco que está no olho do seu irmão e não vê o tronco que está no seu próprio olho? 4 Como é que pode dizer ao seu irmão: “Deixe-me tirar o cisco do seu olho” quando você mesmo tem um tronco no seu próprio olho? 5 Hipócrita! Tire primeiro o tronco que está no seu olho e então verá muito melhor para tirar o cisco do olho do seu irmão.”
Ora, é lógico que se nos prendermos apenas aos versos de 1 a 3, cairemos facilmente nesse erro de interpretação, mas, basta continuarmos a leitura para termos uma outra percepção do tema. A metáfora do “cisco no olho do seu irmão” (erro ou pecado menor) que deve ser retirado, está diretamente ligada ao julgamento que deve ser feito em relação ao erro ou pecado, porém com a advertência que devemos primeiramente, como prática contínua em nossas vidas, buscar observar nossos erros e procurar corrigi-los. Esses erros, até podem ser piores que o do nosso irmão, diante da relação de grandeza (“cisco do irmão” e “trava em nosso olho”). Então, não só devemos julgar os erros ou pecados de nossos irmãos, mas principalmente os nossos erros e pecados, para estarmos assim em consonância com o que é correto.
Nesta mesma linha de raciocínio vai a passagem de Romanaos 2:1-3
“Portanto, você, que julga os outros é indesculpável; pois está condenando você mesmo naquilo em que julga, visto que você, que julga, pratica as mesmas coisas. Sabemos que o juízo de Deus contra os que praticam tais coisas é conforme a verdade. Assim, quando você, um simples homem, os julga, mas pratica as mesmas coisas, pensa que escapará do juízo de Deus?”
Essa é uma repreensão aquele que somente julga o outro e não também a si mesmo. È necessário para que o erro não prospere em nosso meio que cada pessoa analise o que vê a sua volta e decida (em ato de julgamento) o que é certo ou errado, bom ou mau, e aplique essa conclusão a nível pessoal e depois em nível mais geral (ao outro ou sobre uma coletividade).
Vejamos outras passagens que são distorcidas no sentido do “não julgueis”:
Tiago 4:11-12 “ Irmãos, não falem mal uns dos outros. Quem fala contra o seu irmão ou julga o seu irmão fala contra a Lei e a julga. Quando você julga a Lei, não a está cumprindo, mas está agindo como juiz. Há apenas um Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e destruir. Mas quem é você para julgar o seu próximo?"
Novamente, em uma leitura superficial, parece-nos que o texto, dessa vez de Tiago, está dizendo que não devemos julgar o outro. No entanto, é preciso observar que antes Tiago faz uma relação de erros cometidos pelas pessoas:
Tiago4:1-4 “1 De onde vêm as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêm disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam? 2 Cobiçais, e nada tendes; matais, e sois invejosos, e nada podeis alcançar; combateis e guerreais, e nada tendes, porque não pedis. 3 Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites. 4 Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.”
Então, depois provoca as pessoas a se corrigirem.
Tiago4:8 “8 Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós. Alimpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai os corações. 9 Senti as vossas misérias, e lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em tristeza. 10 Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará."
E novamente a hipocrisia é exposta, assim como fez Mateus 7 e se cobra uma posição justa em relação ao julgamento:
Tiago4:16-17 “ 16 Mas agora vos gloriais em vossas presunções; toda a glória tal como esta é maligna. 17 Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado.”
A conclusão que se tira é que julgar, cometendo os mesmo erros ou até piores, é um comportamento totalmente errado e hipócrita.
Além disso, esse comportamento se reverte como uma ferramenta em contrário ao que se propões o justo julgamento.
Romanos 14:13: "13 Portanto, deixemos de julgar uns aos outros. Em vez disso, façamos o propósito de não pôr pedra de tropeço ou obstáculo no caminho do irmão."
Romanos 14:19-23 “19 Assim, pois, sigamos as coisas que servem para a paz e as que contribuem para a edificação mútua. 20 Não destruas por causa da comida a obra de Deus. Na verdade tudo é limpo, mas é um mal para o homem dar motivo de tropeço pelo comer. 21 Bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer outra coisa em que teu irmão tropece. 22 A fé que tens, guarda-a contigo mesmo diante de Deus. Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova. 23 Mas aquele que tem dúvidas, se come está condenado, porque o que faz não provém da fé; e tudo o que não provém da fé é pecado."
Paulo elucida a situação de forma magnífica:
"Um bom sistema de justiça procura ser justo e imparcial, em imitação a Deus. Depois, nas coisas mais pequenas, que não precisam de tribunal, as pessoas recorrem a quem é mais velho, mais sábio ou tem mais autoridade para resolver os problemas e as disputas."
E Jesus questiona:
Lucas 12:57
“E por que não julgais também por vós mesmos o que é justo?”
Algumas “dicas” podem ser seguidas para que o ato de julgar seja aplicado de forma a engrandecer as pessoas e não se desvie do seu verdadeiro sentido:
- Evite a polêmica – Bater boca e trocar agressões verbais devem ser totalmente evitados:
“Mas ter a mulher cabelo crescido lhe é honroso, porque o cabelo lhe foi dado em lugar de véu. Mas, se alguém quiser ser contencioso, nós não temos tal costume, nem as igrejas de Deus.”
- Não julgue apenas (observem o “apenas”) pela aparência ou por determinados comportamentos:
“Não julguem apenas pela aparência, mas façam julgamentos justos".
“Portanto, não permitam que ninguém os julgue pelo que vocês comem ou bebem, ou com relação a alguma festividade religiosa ou à celebração das luas novas ou dos dias de sábado.”
- Se não se sentir capaz, procure alguém capacitado dentro da Igreja:
1 Coríntios 6:1-5
“Se algum de vocês tem queixa contra outro irmão, como ousa apresentar a causa para ser julgada pelos ímpios, em vez de levá-la aos santos? Vocês não sabem que os santos hão de julgar o mundo? Se vocês hão de julgar o mundo, acaso não são capazes de julgar as causas de menor importância? Vocês não sabem que haveremos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas desta vida! Portanto, se vocês têm questões relativas às coisas desta vida, designem para juízes os que são da igreja, mesmo que sejam os menos importantes. Digo isso para envergonhá-los. Acaso não há entre vocês alguém suficientemente sábio para julgar uma causa entre irmãos?”
- Tenha empatia pelo outro. Lembre-se que somos todos aptos ao erro e ao pecado.
Lucas 6:37-38
"Não julguem e vocês não serão julgados. Não condenem e não serão condenados. Perdoem e serão perdoados. Deem e será dado a vocês: uma boa medida, calcada, sacudida e transbordante será dada a vocês. Pois a medida que usarem também será usada para medir vocês".
- Busque a justeza no julgamento.
Jo 7:24
“.. julgai segundo a reta justiça.”
- Não insista demasiadamente com quem não estar aberto as suas colocações:
Tito 3:10
‘’Ao homem herege, depois de uma e outra admoestação, evita-o ’’
- Peça ajuda ao Espírito Santo.
1Co 2:15
“Mas o que é espiritual discerne bem tudo, ....”
- Tenha em mente que o mau sempre deve ser condenado:
Ef 5:11
"E não comuniqueis com as obras infrutuosas das trevas, mas antes condenai-as."
Rm 12:9
"O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem."
1Ts 5:21
"Examinai tudo. Retende o bem." .
- Julgue a si mesmo, sempre:
Rm 02:01-03
"Portanto, és inescusável quando julgas, ó homem, quem quer que sejas, porque te condenas a ti mesmo naquilo em que julgas a outro; pois tu, que julgas, fazes o mesmo. 2 E bem sabemos que o juízo de Deus é segundo a verdade sobre os que tais coisas fazem. 3 E tu, ó homem, que julgas os que fazem tais coisas, cuidas que, fazendo-as tu, escaparás ao juízo de Deus?".
2Co 13:5
“Examinai-vos a vós mesmos, se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados.”
1Co 11:31
Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.
- Não podemos julgar meras questões de consciência (que não têm explícita ordem nem é indiscutível implicação da Bíblia)
Rm 14:1
"1 Ora, quanto ao que está enfermo na fé, recebei-o, não em contendas sobre dúvidas. ... 3 O que come não despreze o que não come; e o que não come, não julgue o que come; ... 13 Assim que não nos julguemos mais uns aos outros; antes seja o vosso propósito não pôr tropeço ou escândalo ao irmão. ..."
1Co 10:23-33
"23 Mas, se alguém vos disser: Isto foi sacrificado aos ídolos, não comais, por causa daquele que vos advertiu e por causa da consciência; ... 29 Digo, porém, a consciência, não a tua, mas a do outro. .... 32 Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à igreja de Deus."
Por fim, quem sai ganhado com o “não julgueis”? Todos aqueles que estão agindo de maneira errada e não querem, em nenhuma hipótese e sob nenhum pretexto, serem criticados ou julgados. Estes mesmos, de forma ardilosa, ensinam, em proveito próprio, que é errado julgar. Mas, o mais incrível é encontrar pessoas que aceitam essa distorção mentirosa de que não devemos julgar ninguém e que se colocam em defesa do suposto ofendido, tomando partido em seu favor e adotando suas dissimuladas dores.

