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As serpentes ardentes e a serpente de metal

 

Nm 21:5-9

5  E o povo falou contra Deus e contra Moisés: Por que nos fizestes subir do Egito para que morrêssemos neste deserto? Pois aqui nem pão nem água há; e a nossa alma tem fastio deste pão tão vil. 6  Então o SENHOR mandou entre o povo serpentes ardentes, que picaram o povo; e morreu muita gente em Israel. 7  Por isso o povo veio a Moisés, e disse: Havemos pecado porquanto temos falado contra o SENHOR e contra ti; ora ao SENHOR que tire de nós estas serpentes. Então Moisés orou pelo povo. 8  E disse o SENHOR a Moisés: Faze-te uma serpente ardente, e põe-na sobre uma haste; e será que viverá todo o que, tendo sido picado, olhar para ela. 9  E Moisés fez uma serpente de metal, e pô-la sobre uma haste; e sucedia que, picando alguma serpente a alguém, quando esse olhava para a serpente de metal, vivia.

 

                        Novamente, o povo de Israel murmura contra a situação de sofrimento existente. Nesta ocasião, ele afirma que o pão oferecido pelo SENHOR era de qualidade fraca e sabor ruim e mais uma vez o SENHOR castiga-os, utilizando-se de serpentes.

Apesar de nessa versão elas serem chamadas de serpentes ardentes, em outras traduções elas são chamadas de serpentes venenosas. Segundo alguns estudiosos, as serpentes eram chamadas de ardentes devido à grande febre que provocavam em quem picasse e a ardência no local da picada. Provavelmente essa serpente seria a víbora-tapete, que pode atingir 80cm de comprimento e vive entre as rochas do deserto e cuja picada é "ardente". Porém, o mais interessante está na maneira que o SENHOR propõe a cura para a mordida da serpente venenosa: uma simples olhada para uma escultura em metal na forma de uma serpente garantiria a sobrevivência contra os efeitos mortais do veneno das serpentes, que o próprio Javé colocara no meio do seu povo.

                        Novamente o SENHOR se utilizava de um objeto para realizar mais um dos seus “milagres”. Para muitos religiosos, essa passagem nada mais é que uma figurativa comparação dessa serpente na haste com Jesus Cristo na cruz, baseados em João 3:14-15, “14  E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado; 15  Para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Porém, vejamos o que fez Ezequias em II Reis 18:1-4, “1  E sucedeu que, no terceiro ano de Oséias, filho de Elá, rei de Israel, começou a reinar Ezequias, filho de Acaz, rei de Judá. 2  Tinha vinte e cinco anos de idade quando começou a reinar, e vinte e nove anos reinou em Jerusalém; e era o nome de sua mãe Abi, filha de Zacarias. 3  E fez o que era reto aos olhos do SENHOR, conforme tudo o que fizera Davi, seu pai. 4  Ele tirou os altos, quebrou as estátuas, deitou abaixo os bosques, e fez em pedaços a serpente de metal que Moisés fizera; porquanto até àquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso, e lhe chamaram Neustã.”. Então, o que João provavelmente quis dizer é que, Jesus seria posto no madeiro da mesma forma que a serpente, porém seu propósito seria outro: de libertação da idolatria a falsos deuses. A frase “assim importa...” condiciona uma situação de necessidade, portanto se fez necessário que Jesus fosse posto da mesma forma que a serpente, no madeiro, para que o povo não continuasse em erro, servindo de exemplo, tanto para os Judeus, como para toda a humanidade da necessidade de se voltar para o verdadeiro Deus. Na cruz, Jesus se coloca no lugar da serpente, em grandiosa oposição ao seu poder maligno, e representa a verdadeira cura, de maneira espiritual, livrando a humanidade dos seus pecados e ofertando a salvação aos que cultivassem a fé em Deus, Seu pai, e não simplesmente uma cura do corpo físico.

                        Não vou entrar aqui no mérito da questão da idolatria a imagens, tão vigorosamente discutido entre os cristãos (católicos e Protestantes (evangélicos)), pois considero um assunto de menor importância, deter-me-ei ao que poderíamos interpretar diante da imagem da cobra suspensa em uma vara.

                   O símbolo de Medicina é o bastão de Asclépio (Esculápio), deus grego da Medicina. Em seus templos eram criadas serpentes consideradas sagradas, que curavam quase todas as doenças. Uma lenda sobre Hipócritas conta que uma cobra enrolou-se no seu cajado e teria tentado picá-lo, ele olhou para a serpente e disse: “se queres me fazer mal, de nada adiantará que me firas, pois tenho no corpo o antídoto contra tua peçonha. Se estás com fome, te alimentarei”. Então, ele pegou a taça onde fazia misturas de ervas medicinais, colocou leite e ofereceu à serpente, esta desceu do cajado, enrolou-se na taça e bebeu o leite. Dessa lenda, criaram-se o símbolo de Farmácia (a cobra envolvendo a taça) e o símbolo de Medicina (duas cobras envoltas no bastão de Hermes). Duas cobras se entrelaçando também é uma forma simbólica da representação do DNA humano.

                      Portanto, podemos fazer uma grande analogia entre o episódio no deserto e a história mitológica de Asclépio, que possuía o poder da cura e até mesmo de ressuscitar, sendo por isso morto com um raio enviado por Zeus. Seu símbolo remete ao poder curativo da serpente, em que o seu veneno tinha o domínio da vida e da morte. A deusa Atena, teria lhe dado o sangue mágico da Górgona (monstros femininos com cabelos de cobra, a famosa medusa) que podia transformar tudo vivo que via, em pedra. Assim, o sangue que corria pelo seu lado esquerdo podia tirar a vida de alguém e o do seu lado direito, ressuscitava os mortos.

                     A serpente de bronze ainda foi adorada por 700 anos pelos israelitas e acabou por desviar Israel a apostasia. Os israelitas tinham uma grande facilidade em colocar as graças “divinas” acima do seu deus, como neste exemplo: “E fez Gideão disso um éfode (manto ou xale, roupa sacerdotal) e pô-lo na sua cidade, em Ofra; e todo o Israel se prostituiu ali após ele; e foi por tropeço a Gideão e à sua casa” (Jz 8.27).  Porém, também é muito estranho que o SENHOR se utilize dessa imagem para impor uma submissão, uma obediência, uma adoração. Desde o início, a serpente é símbolo do mal. Em Gênesis, a serpente aparece enrolada ao redor da Árvore da Vida (DNA?) e leva o homem à perdição. Porém ela não é mais vista como um poder negativo e destrutivo, que provocou a expulsão do paraíso; ela subverte-se em poderes de cura e vida. Como seria possível entender que o SENHOR tenha provocado esta situação? O ser que criara a situação da primeira imagem (a serpente do Éden) seria o mesmo da serpente de metal no deserto? É preciso lembrar que Javé já tinha realizado um ato que fazia a referência a um bastão e uma serpente, em Êxodo 4:20 “E o Senhor lhe disse, O que você tem em suas mãos? E este respondeu: um bastão. E foi lhe dito para por o bastão no chão. O bastão estava no chão, e transformou-se em serpente; e Moisés cobriu-o antes. E o Senhor disse a Moisés, Ponha a mão sobre ela e pegue-a pela cauda. E ele pôs a mão sobre ela e a pegou pela cauda, e ela transformou-se em um bastão em sua mão”. Simbolicamente tudo isso é muito estranho.

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